sábado, 28 de novembro de 2015

3. História de uma bola preta



Era uma vez uma menina que se sentia muito solitária. Não tinha amigos, os colegas na escola não gostavam dela e até mesmo faziam piadas da coitadinha. A menina andava sempre de queixo caído, nunca sorria, não saía do seu quarto e chorava muito durante as noites. Nem os livros, nem os filmes constituíam uma fonte de alegria para ela. Os pais alarmados ficaram preocupados. “O que é que podemos fazer?”, perguntaram ao psicólogo conhecido e ouviram uma resposta muito simples e surpreendente: um cão. Fizeram o que lhes foi aconselhado.
Primeiro, viram um anúncio onde uma família oferecia os cachorros rafeiros. “Para as pessoas boas que podem dar aos cãezinhos uma casa cheia de amor”, assim figurava o conteúdo da mensagem. Os pais foram em segredo, sem dizer nada à menina. De entre cinco pequenos seres escolheram uma bola preta tão fofa, como se só pudesse imaginar. Levaram-na para casa. O cachorro passou os seus primeiros minutos no novo lugar, “visitando” e cheirando todos os quartos da casa. A menina ainda não tinha voltado da escola, por isso ele pôde sentir-se livre na sua viagem de exploração do quarto. Depois de ter alcançado o seu objetivo, ficou à espera da conquista do coração da menina. Mas não teve de esperar muito, porque foi um amor à primeira vista. Quando a menina entrou no seu quarto, triste como sempre, a primeira coisa que viu foi uma bola preta deitada aos pés da sua cama. O cachorro ladrou com alegria, mexeu o rabo e correu como maluco até à menina. Começou a lamber a mão dela e neste momento os pais ouviram pela primeira vez há vários meses a gargalhada que saiu da boca da sua filha.
Muitas coisas mudaram na vida da menina. O número das obrigações cresceu: tinha de sair com o cãozinho várias vezes por dia, dar-lhe comida, lavar-lhe as patas, pentear-lhe a pelagem. Resumindo, coisas simples e óbvias que todos os donos de cães devem fazer e que fazem com uma cara de mártires. Porém, ela fazia-o com tanto prazer e amor, que a pouco e pouco se esqueceu das experiências terríveis dos meses passados. Faziam quase tudo juntos e é possível dizer que eram como unha e carne. Finalmente tinha o seu amigo, a quem podia falar, que guardava os segredos e que podia acariciar.
O cachorro preto mudou a realidade inteira desta família. Os pais sentiram como se alguém lhes tivesse mudado de filha. Graças ao cãozinho começou a sair mais de casa. Durante os passeios conheceu outras crianças da sua idade, fizeram-se amizades. Isto teve impacto também nas relações com os colegas da turma. Aceitaram-na e enfim sentia-se feliz. Assim passaram os anos inocentes e ingénuos da infância. Seria ótimo se esta história terminasse assim, com o happy end, como dizem em inglês. Mas infelizmente na vida real há quem diga que poucas são as pessoas que consigam atingir a felicidade. Ouçam o resto da história.
A menina transformou-se numa rapariga e o cãozinho tornou-se um cão. Assim é a ordem das coisas. Com o passar do tempo mudaram os hábitos, os interesses e os amigos da rapariga. Nova escola, novo aspeto e a vida nova. Sentiu grande paixão pela moda, pelos cosméticos e pela internet. Já não passeava com o seu cão e não acariciava à sua bola fofa. Já nem dava-lhe a comida, tudo tinham de fazer ambos os pais. E não protestavam. Viram que a sua filha outra vez se tornou numa pessoa diferente, mas não reagiram. Por outra parte, ninguém observava a conduta do pobrezinho cão. Ele já nem ladrava com alegria, nem mexia o rabo. Além disso, perdeu o seu brilho no olhar. Cada tentativa de chamar a atenção da rapariga terminava em fracasso. Porém, o pior ainda não tinha chegado.
Um dia, a rapariga viu um vídeo num blogue sobre a moda, onde a protagonista tinha como o seu animal de estimação um cão de raça pequena. Na mente da jovem floresceu uma ideia excelente! Ia comprar um yorkie. No início os pais opuseram-se ao plano da rapariga, mas ela, sabendo as técnicas de manipulação, conseguiu atingir o seu objetivo. Assim, o novo membro da família apareceu em casa. Para o cão preto isto foi como se alguém lhe esbofeteasse. A rapariga andava orgulhosamente com o seu yorkinho na mala, levava-o para o centro comercial, visitava com ele os amigos e familiares. Rapidamente a sua popularidade na escola cresceu. Ela ficou muito feliz e os seus pais também. O yorkinho ganhou os corações e a simpatia de todos. Só o cão preto ficou esquecido por todos. Não queria nem sequer viver mais. Dormia muito, quase não se mexia, deixou de comer. Foi o pai, que descobriu primeiro o que se passara com o cão. O veterinário confirmou a sua teoria: o cão preto sofria de depressão. Sim, senhores. Os cães podem ser afligidos por esta doença também.
O fim desta história é triste. Se alguém esperava que a rapariga voltasse a cuidar do cãezinho preto, está enganado. Os pais decidiram livrar-se do problema. A bola preta terminou no albergue de cães. Já não era nem fofa, nem alegre. Ficou desiludida e atraiçoada pela pessoa mais importante na sua vida: a melhor amiga. Entregou-lhe o seu coração, mas perdeu tudo. Graças às modas dos nossos tempos, que são a indiferença, falta de responsabilidade e trato de animais como objetos. Contudo, as tendências seguem assim e ainda se expandem, infelizmente para as pessoas também. Ainda ninguém te expulsou da sua vida? Aparentemente tens sorte. Parabéns!

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